Nos últimos tempos, os bebês reborn — bonecas hiper-realistas que imitam recém-nascidos com impressionante perfeição — têm conquistado mulheres adultas em várias partes do mundo. Para além de um simples hobby, muitas tratam esses bonecos como filhos: compram roupas, alimentam com mamadeiras, registram com nomes e os levam em passeios como se fossem reais. Mas o que está por trás desse fenômeno que mistura carinho, carência e fantasia? O que poderia parecer apenas um hobby excêntrico ou terapêutico, na verdade reflete um sintoma social mais profundo: a crescente carência emocional feminina em tempos de independência forçada e desconexão afetiva.
O paradoxo da mulher moderna
O feminismo trouxe conquistas inegáveis às mulheres — como o direito ao voto, ao estudo, ao trabalho, ao próprio corpo e à autonomia —, mas em suas vertentes mais ideológicas e radicalizadas, acabou plantando sementes que merecem ser debatidas com maturidade. Entre elas, a desvalorização da maternidade, a demonização do homem como figura abusadora por padrão e a ideia de que a mulher nunca erra, apenas reage à opressão estrutural. Esse novo ideal de mulher autossuficiente, que "não precisa de ninguém", gerou um paradoxo: ao tentar romper com padrões patriarcais, muitas passaram a sufocar o desejo de construir vínculos profundos, temendo parecer frágeis ou submissas.
Isso tem resultado em uma crescente solidão emocional, enquanto a distância entre homens e mulheres aumenta — impulsionada tanto pela visão de que todo homem é um opressor em potencial quanto pela percepção masculina de desvantagem em relacionamentos atuais. Como consequência, surgem relações cada vez mais superficiais e instáveis, que dificultam a formação de laços duradouros e de famílias estruturadas. Essa lacuna afetiva, aliada ao deslocamento do instinto materno, tem levado algumas mulheres a buscar substitutos simbólicos, como os bebês reborn, na tentativa de preencher o vazio deixado pela ausência de vínculos reais.
Para algumas mulheres, os bebês reborn surgem como um consolo diante da infertilidade, do luto ou da ausência de relações estáveis. Mas em outros casos, a boneca substitui algo ainda mais preocupante: a impossibilidade de se vincular ao outro sem medo ou ressentimento.
Essa substituição do real pelo simbólico é um sintoma contemporâneo. Não há o caos, o choro ou a responsabilidade de um filho verdadeiro — apenas o afeto unilateral e sob controle. É uma maternidade sem riscos, sem erros e sem frustrações. Mas também sem retorno humano. O bebê reborn jamais crescerá, jamais contrariará, jamais deixará de “precisar” da mulher. E, paradoxalmente, isso é o que o torna tão sedutor para uma mulher que tem medo de ser ferida.
O papel da cultura e das redes sociais
Nas redes sociais, o fenômeno ganha contornos ainda mais simbólicos. Vídeos de “simulação de parto reborn” acumulam milhões de visualizações. A maternidade romantizada e plastificada é compartilhada em massa. E o discurso feminista de autoafirmação emocional encontra, curiosamente, reflexo numa prática profundamente conservadora: a mulher que retorna ao cuidado do outro — mesmo que esse “outro” seja um objeto inanimado.
Trata-se de um paradoxo cultural: enquanto se condena a dependência emocional dos relacionamentos reais, alimenta-se uma carência psíquica profunda e silenciosa, que busca compensações em figuras artificiais.
O feminismo, o erro humano e o culto à vítima
Outro aspecto preocupante da cultura contemporânea é a ideia de que a mulher, por ser historicamente oprimida, não pode ser responsabilizada por seus erros. Esse raciocínio, embora compreensível em muitos contextos, pode gerar uma infantilização emocional, onde o enfrentamento de frustrações, perdas e dilemas morais é constantemente evitado.
Quando a mulher não encontra espaço social para admitir suas falhas ou dores — ou quando todo erro é automaticamente atribuído a um homem ausente ou opressor — o sofrimento interno se acumula e se expressa de maneiras simbólicas e inconscientes. O bebê reborn pode ser, nesse sentido, um espelho silencioso de algo que a sociedade se recusa a nomear: a fragilidade emocional de mulheres que se fingem de fortes através de ideias e movimentos emancipadores.
A venda de uma emancipação baseada no antagonismo ao homem tem gerado um vácuo afetivo e psicológico em muitas mulheres, especialmente naquelas que, por natureza ou desejo, valorizam vínculos, maternidade e reciprocidade emocional. Quando a fragilidade é vista como fraqueza e o acolhimento como submissão, resta à mulher esconder suas dores ou canalizá-las para substitutos simbólicos como os bebês reborn — não como simples brinquedos, mas como representações inconscientes de um desejo reprimido de cuidado, vínculo e pertencimento. Esse fenômeno não nasce da liberdade, mas da solidão de uma liberdade vendida como ruptura total com o outro.
É essencial reconhecer que nem toda mulher que adota um bebê reborn está em sofrimento psíquico. Em muitos casos, o objeto serve como ferramenta terapêutica ou expressão artística. Mas quando o vínculo com a boneca substitui ou eclipsa os vínculos humanos, é preciso refletir.
Outro ponto sensível é como, em certas narrativas sociais atuais, a mulher é vista sempre como vítima, isenta de responsabilidade por suas decisões ou atitudes. Embora essa visão tenha nascido como reação a séculos de opressão, ela pode acabar infantilizando emocionalmente a mulher, que não se permite errar, nem enfrentar suas próprias falhas.
Quando isso acontece, a tendência é buscar atalhos emocionais que evitem o confronto com a realidade. E aí, surge a figura do bebê reborn como uma resposta simbólica: uma forma de expressar amor, maternidade e afeto sem os desafios de uma vida afetiva real.
O feminismo atual ao lutar incessantemente por igualdade e liberdade, esqueceu de acolher o lado emocional da mulher, inclusive seu desejo de amar, cuidar e ser cuidada. E, principalmente, precisa permitir que a mulher possa errar, chorar, recomeçar — sem precisar esconder sua fragilidade atrás de um boneco de vinil ou de leis anti-homens.