07 setembro 2009

Herói na contemporaneidade



Quando eu era criança, passava todo o tempo
desenhando super-heróis.
Recorro ao historiador de mitologia Joseph Campbell,
que diferenciava as duas figuras públicas: o herói
(figura pública antiga) e a celebridade (a figura
pública moderna). Enquanto a celebridade se
populariza por viver para si mesma, o herói assim
se tornava por viver servindo sua comunidade.
Todo super-herói deve atravessar alguma via crucis.
Gandhi, líder pacifista indiano, disse que, quanto
maior nosso sacrifício, maior será nossa conquista.
Como Hércules, como Batman.
Toda história em quadrinhos traz em si alguma coisa
de industrial e marginal, ao mesmo tempo e sob o
mesmo aspecto. Os filmes de super-herói, ainda que
transpondo essa cultura para a grande e famigerada
indústria, realizam uma outra façanha, que
provavelmente sem eles não ocorreria: a formação
de novas mitologias reafirmando os mesmos ideais
heróicos da Antigüidade para o homem moderno.
O cineasta italiano Fellini afirmou uma vez que Stan
Lee, o criador da editora Marvel e de diversos heróis
populares, era o Homero dos quadrinhos.
Toda boa história de super-herói é uma história
de exclusão social. Homem-Aranha é um nerd,
Hulk é um monstro amaldiçoado, Demolidor é um
deficiente, os X-Men são indivíduos excepcionais,
Batman é um órfão, Super-Homem é um alienígena
expatriado. São todos símbolos da solidão, da
sobrevivência e da abnegação humana.
Não se ama um herói pelos seus poderes, mas pela
sua dor. Nossos olhos podem até se voltar a eles por
suas habilidades fantásticas, mas é na humanidade
que eles crescem dentro do gosto popular. Os superheróis
que não sofrem ou simplesmente trabalham
para o sistema vigente tendem a se tornar meio bobos,
como o Tocha-Humana ou o Capitão América.
Hulk e Homem-Aranha são seres que criticam
a inconseqüência da ciência, com sua energia
atômica e suas experiências genéticas. Os X-Men nos
advertem para a educação inclusiva. Super-Homem
é aquele que mais se aproxima de Jesus Cristo, e
por isso talvez seja o mais popular de todos, em seu
sacrifício solitário em defesa dos seres humanos, mas
também tem algo de Aquiles, com seu calcanhar que
é a kriptonita. Humano e super-herói, como Gandhi.
Não houve nenhuma literatura que tenha me
marcado mais do que essas histórias em quadrinhos.
Eu raramente as leio hoje em dia, mas quando assisto
a bons filmes de super-heróis eu lembro que todos
temos um lado ingênuo e bom, que pode ser capaz
de suportar a dor da solidão por um princípio.

Fernando Chuí

Tirado de: http://www.fernandochui.blogspot.com/

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